quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Poema - Palavrear

Acompanhe a leitura do poema pelo vídeo.
 


Palavrear

Minha mãe me deu ao mundo
e, sem ter mais o que me dar,

me ensinou a jogar palavra
no vento pra ela voar.

Dizia: “Filho, palavra
tem que saber como usar.

Aquilo é que nem remédio:
cura, mas pode matar.

Cuide de pedir licença,
antes de palavrear,

ao dono da fala que é
quem pode lhe abençoar

e transformar sua língua
em flecha que chispa no ar

se o tempo for de guerra
e você for guerrear

ou em pétala de rosa
se o tempo for de amar.

Palavra é que nem veneno:
mata, mas pode curar.

Dedique a ela o respeito
que se deve dedicar

às forças da natureza
(o animal, a planta, o ar),

mesmo sabendo que a dita
foi feita pra se gastar,

que acaba uma, vem outra
e voa no seu lugar.”

Ainda ontem, lá em casa,
me sentei pra conversar

com as minhas duas meninas
e desatei a lembrar

de casos que a minha mãe
se esmerava em contar
com luz de lua nos olhos
enquanto fazia o jantar.

Não era bem pelo assunto
que eu gostava de escutar

aquela voz que nasceu
com o dom de se desdobrar

em vozes de outras eras
que voltarão a pulsar

sempre que alguém, no vento,
uma palavra jogar.

Gostava era de poder
ver a voz dela criar

mundos inteiros sem quase
nem parar pra respirar

e ganhar corpo e fazer
minha cabeça rodar,

como roda ainda hoje,
quando, pra me sustentar,

eu jogo palavra no vento
e fico vendo ela voar

(jogo palavra no vento
e fico vendo ela voar)

Ricardo Aleixo


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